Concentração de renda e emprego na 'Califórnia Brasileira' desafia Região Metropolitana de Ribeirão Preto
30/12/2024
PIB per capita entre cidades de uma das áreas mais ricas do país tem uma diferença de até 821%. 'Pensando em desenvolvimento econômico, isso é ruim', avalia economista. Vista aérea do Trevão em Ribeirão Preto, SP, que interliga quatro rodovias
Divulgação
O empresário Ademir Barbosa dos Santos tem 54 anos e há 30 adotou Luís Antônio (SP) como cidade para morar desde que deixou Serrana (SP) em busca de melhores oportunidades profissionais.
Dono de um escritório de contabilidade, além de presidir a associação de comércio e indústria local, por um lado ele reconhece pontos fortes como a segurança e a qualidade de vida, ao mesmo tempo em que vê desafios na cidade de pouco mais de 12 mil habitantes que tem um dos maiores PIBs per capita da região, mas nenhuma universidade.
"As principais empresas nossas buscam pessoas em Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto, São Simão, em torno de dez cidades da região vêm trabalhar aqui, porque a cidade é pequena e não consegue oferece mão de obra para as empresas que têm aqui, apesar de ter uma economia muito forte", diz.
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Ademir está a cerca de 30 minutos de carro de Ribeirão Preto (SP), maior cidade de uma região ao mesmo tempo conhecida pelo forte potencial financeiro e pela atração de oportunidades de crescimento profissional, mas que esbarra na disparidade de renda, na dependência dos números positivos do setor agro, além de contemplar realidades econômicas e sociais muito diferentes entre seus municípios, com uma concentração ainda acentuada de recursos em Ribeirão Preto.
Questões como essas desafiam as estratégias voltadas para a integração regional e para um desenvolvimento menos centralizado.
"Ribeirão Preto se tornou um polo de atração. Todas essas cidades trabalham em prol de um PIB muito maior que é o de Ribeirão Preto. Esse PIB está concentrado em Ribeirão Preto e tende a aumentar nos próximos anos", analisa o economista Adnan Jebailey.
Esta reportagem faz parte do especial "Desafios da Metrópole", série do g1 que mostra os potenciais e os dilemas da região de Ribeirão Preto (SP) nas áreas da inovação, saúde, segurança pública, mobilidade e economia.
Prefeitura de Luiz Antônio, SP
Reprodução/EPTV
Região rica e desigual
Se a Região Metropolitana de Ribeirão Preto fosse um estado, estaria à frente de ao menos outros dez no país em termos de geração de riquezas. Segundo o IBGE, as 34 cidades, juntas, tiveram um PIB superior a R$ 82 bilhões em 2021, o que supera localidades como Rio Grande do Norte, Alagoas e Tocantins, por exemplo, e mais do que dobrou ao longo de 11 anos.
Em contrapartida, quanto avaliado o contexto regional, percebe-se que a circulação de recursos financeiros ainda é muito concentrada no maior município da região, com quase R$ 40 bilhões, o que significa praticamente a metade das riquezas da área metropolitana.
Segundo Jebailey, essa concentração denota uma dependência econômica que, embora muitas vezes seja considerada natural, não é saudável para o desenvolvimento dos municípios menores.
"Pensando em população, não é saudável, a cidade fica muito dependente dessas grandes cidades. O que acontece muitas das vezes é inclusive um processo migratório das pessoas que moram nessas cidades indo ou trabalhar nessas grandes cidades. O que acontece nesse circuito é que essas pequenas cidades começam a trabalhar não em prol de si, mas em prol do outro. Pensando em desenvolvimento econômico, isso é ruim", diz.
A geração de riquezas, em outra análise, também é desigual quando se observa o PIB per capita das 34 cidades, que chega a ter uma diferença de 821% entre os extremos.
Por um lado, cidades como Cássia dos Coqueiros (SP) e Nuporanga (SP) registram PIBs per capita acima dos R$ 115 mil, enquanto Barrinha (SP), Taquaral (SP) e Serra Azul (SP) têm rendimentos por pessoa que ficam abaixo dos R$ 18 mil e, desde 2010, ocupam a parte mais baixa da lista.
O economista analisa que o PIB per capita, embora não seja um instrumento que indique o real desenvolvimento, pode dar pistas sobre as dificuldades de crescimento econômico de uma determinada localidade.
"Poderia indicar um problema de crescimento econômico, não de desenvolvimento. E aí pode ser por 'n' motivos: por você não ter uma mão de obra qualificada, por você não ter quantidade de mão de obra disponível para instalação de uma grande indústria ou por uma evolução do processo agropecuário da região. (...) até questões políticas", diz Jebailey.
Serra Azul (SP) é um dos municípios com menor PIB per capita da região de Ribeirão Preto
Reprodução/EPTV
Em Luís Antônio, por exemplo, o terceiro PIB per capita mais elevado da região, de quase R$ 100 mil, está diretamente ligado principalmente à atuação de duas grandes indústrias, uma de papel e celulose, outra de etanol, que empregam quase 90% do setor.
Ademir Barbosa dos Santos, da associação comercial e industrial, reconhece que a arrecadação de impostos poderia ser mais bem gerenciada pelas autoridades públicas, mas ao menos nas áreas da saúde, educação, e na conservação de espaços públicos, é possível perceber que a geração de riquezas se converte em qualidade de vida.
O comércio e a rede de serviços locais, segundo ele, é forte e com baixa mortalidade de empresas, mas não diminui a dependência com relação a Ribeirão Preto em outras áreas como lazer e cultura.
"O ponto positivo é que tem uma economia forte, boa, que oferece uma educação boa, uma saúde boa, um índice de crimnalidade baixo, é um ponto positivo. O ponto negativo aqui é que realmente é uma cidade pequena e não te oferece muito lazer, muita cultura. Se você quiser ir ao teatro tem que ir a Ribeirão, ao cinema", afirma.
Na mesma lógica, embora Luís Antônio conte com alguns centros de formação mobilizados para abastecer a demanda industrial local, os moradores que buscam mais qualificação profissional, técnica e superior, precisam viajar diariamente para a cidade vizinha.
"Eu não abriria uma universidade aqui, porque ou vou ter que importar esse pessoal de fora, trazer alunos de outras cidades, e a cidade não comporta. (...) A Prefeitura acaba cedendo transporte gratuita para que os alunos vão a Ribeirão, e Ribeirão oferece muita coisa, então acaba sendo mais viável."
Imagem aérea com o Theatro Pedro II no Centro de Ribeirão Preto, SP
Acervo EP
Emprego: em recuperação, mas concentrado em Ribeirão
Fundamentais para a dinâmica econômica, os indicadores de geração de empregos e renda reforçam essa concentração em Ribeirão Preto, ainda que haja uma diversificação de atividades produtivas desde o período da pandemia da Covid-19 no âmbito de toda a região.
Segundo dados analisados para o g1 pelo Instituto de Economia Maurílio Biagi (IEMB), da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), as 34 cidades da RMRP registraram em 2023 um estoque total de 516.832 pessoas empregadas, gerando, em três anos, mais de 72,7 mil postos. Desse total, apenas Ribeirão Preto responde por quase a metade, com 246,1 mil pessoas com carteira assinada, graças, principalmente ao comércio, com 62,7 mil postos.
Em termos regionais, o destaque, segundo os analistas Lucas Ribeiro e Livia Pioli, ficou com a indústria, que teve o maior saldo acumulado de empregos ao longo dos anos, em parte pelo aumento nos investimentos em infraestrutura, e foi seguido pela construção civil, refletindo os aportes em obras públicas e atividades imobiliárias.
Por outro lado, os serviços, anda que tenham o maior estoque, tiveram maiores oscilações anuais por conta da dependência do consumo e da retração causada pela crise sanitária em 2020. As dificuldades também chegaram ao comércio e à agropecuária, que também têm se recuperado desde então.
Calçadão no Centro de Ribeirão Preto: comércio é setor com maior estoque de vagas na cidade
Érico Andrade/g1
"Os setores de serviços e industrial foram os grandes motores da geração de emprego e pelos maiores rendimentos médios. O comércio mostrou recuperação moderada, e a agropecuária demonstrou sinais de adaptação ao cenário pós-pandemia", analisam os especialistas.
Renda: disparidade setorial
Quando analisado o rendimento médio dos trabalhadores, também há disparidades tanto entre os setores econômicos quanto na comparação entre Ribeirão Preto e a região. Dados analisados pelo IEMB indicam que, em 2019, o ganho médio de uma pessoa em Ribeirão Preto era de R$ 2.984,78, enquanto que no restante da região era de R$ 2.867,32.
"Ao comparar Ribeirão Preto com os municípios da região metropolitana, observa-se que os rendimentos em Ribeirão Preto são ligeiramente superiores. Essa diferença se deve à maior concentração de atividades econômicas, infraestrutura e oferta de serviços especializados na sede metropolitana."
Por outro lado, a diferença fica maior na análise por segmento. Entre eles, o que menos pagava na região era o agro, com um rendimento médio mensal de R$ 2.288,00. O mesmo setor, por sua vez, era também o que mais pagava em Ribeirão Preto, com R$ 3.919,31.
"A relevância do agronegócio é muito mais para produção de recursos da venda de commodities do que para geração geração de emprego e renda. (...) O agro é o setor que mais paga mal dentro de todos os setores. (...) "É um ponto importante do processo, mas ele tende a perder força no processo de pagar salários", afirma o economista Adnan Jebailey.
Em comércio, serviços e construção civil, os salários de Ribeirão Preto também são superiores aos da região, variando entre R$ 2.312,80 e R$ 3.258,56. A exceção fica com a indústria, onde a lógica se inverte: o rendimento médio na região metropolitana é de R$ 3.250,41, enquanto que na "Califórnia Brasileira" é de R$ 2.911,06.
"O setor industrial manteve rendimentos elevados e crescimento progressivo, refletindo a importância estratégica desse setor para a economia da RMRP", analisam os especialistas do instituto da Acirp.
Usina de cana na região de Ribeirão Preto
Reprodução/EPTV
Fraquezas e oportunidades
A concentração de renda e de oportunidades é um dos desafios que a região deve entender para os próximos anos, mas não é o único.
Segundo o Mapa da Economia Paulista, do Desenvolve São Paulo, a região administrativa de Ribeirão Preto - que contempla alguns dos municípios mais importantes da metrópole - tem uma economia diversificada a partir da cadeia industrial do agronegócio e se sobressai em ciência e tecnologia, mas tem pontos fracos como migração negativa em alguns municípios, produção industrial concentrada em poucos setores e dependência econômica da sazonalidade da agropecuária.
Com base nesses números, os analistas do IEMB indicam três desafios futuros para a região. São eles:
Fortalecer os setores estratégicos, como indústria e serviços;
Incentivar investimentos em infraestrutura e inovação tecnológica;
Reduzir as disparidades regionais na RMRP, promovendo equilíbrio econômico.
Para Adnan Jebailey, a agregação da alta tecnologia é um dos caminhos, por exemplo, para as indústrias do setor sucroenergético, que nos últimos anos expandiram as tradicionais produções de açúcar e etanol para cogeração de eletricidade e outras modalidades de bioenergia.
"Tem um viés muito importante que é agregar tecnologia no processo de produção do campo."
Como estratégias essenciais para o desenvolvimento da região, Jebailey ainda cita o combate à informalidade dos postos de trabalho, a diversidade econômica e o estímulo a contratações públicas em consórcio entre os municípios, como meio de movimentar a economia e prover benefícios para municípios que, muitas vezes, não teriam condições de obtê-los sozinhos. Ele cita um exemplo:
"Imagina se a gente quer saber se os jovens estão preparados para o mercado de trabalho para poder criar novos cursos de qualificação para ingressar no mercado de trabalho. Então a gente vai contratar um estudo para fazer essa avaliação pra gente saber em qual área a gente tem que melhorar e fazer o processo de criação desses cursos. Se o município for sozinho fazer essa compra, muitas vezes não vai ter recurso suficiente ou vai ter um processo licitatório muito complicado, ou seja, ele acaba se juntando com outros municípios, contratando, fazendo esse estudo aplicado a esses municípios, que acaba saindo mais barato."
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